O "inclassificável" Brasil

Primeiramente é importante enfatizar que para compreender um povo (suas vivências e a forma como cada grupo pensa sua sociedade) é necessário conhecer sua história de modo abrangente, em todas as suas vertentes, tendo a consciência de que a análise do grupo étnico em questão não estará deturpada apenas se abandonarmos nossos preconceitos pessoais e não isolarmos os fatos históricos do contexto. Dessa forma, quando se estuda um grupo étnico não há o emprego de termos como "culto" ou "inculto", "bom" ou "ruim", pois estas são terminologias rasas que se fundamentam tendo como base de julgamento uma outra vivência cultural. 


 
(Fonte: Internet)


Em Antropologia cultural (a palavra "antropologia" provém do grego - anthrōpos : homem; logia : estudo, ciência; dessa forma, a Antropologia cultural estuda o homem e suas obras), não há juízo de valor de determinada cultura, pois nenhuma cultura é superior à outra. "A atitude científica se nota pelo hábito de formar juízo sobre os fatos, sem sujeitá-los aos sentimentos pessoais." (1)

O “descobrimento” de uma terra remota, secundária no momento de seu “achamento” para o Império português, torna-se o princípio e o fundamento de nossa identidade brasileira, como se já então possuísse como pura potencialidade o que hoje somos. Segundo o historiador Alfredo Bosi em "Cultura Brasileira - temas e situações", "da cultura brasileira já houve quem a julgasse ou a quisesse unitária, coesa, cabalmente definida por esta ou aquela qualidade mestra. E há também quem pretenda extrair dessa hipotética unidade a expressão de uma identidade nacional. Ocorre, porém, que não existe 'uma' cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e dos nossos discursos. Ao contrário: a admissão do seu caráter plural é um passo decisivo para compreendê-la como um 'efeito de sentido', resultado de um processo de múltiplas interações e oposições no tempo e no espaço." (2)

A letra "Inclassificáveis", de Arnaldo Antunes, trabalha com neologismos e construções sonoras de modo a formar a grande colcha de retalhos etno-culturais que formam a identidade do povo brasileiro, questionando a matriz clássica (índio, branco e negro). A letra faz referência a novas formas etno-culturais que se originaram a partir dos três grupos étnicos: o mulato, a partir da mistura de branco com negro; o cafuzo, mestiço de negro com índio; e o mameluco, oriundo da mistura de índio com branco. A partir de "opostos" étnicos que se mesclam vemos surgir crilouros (crioulos e louros); tupinamboclos (tupinambás e caboclos); guaranisseis (guaranis e nisseis), ciganagôs (ciganos e nagôs) e judárabes (judeus e árabes).






Inclassificáveis
(Arnaldo Antunes)

"Que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes

orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos

orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs

somos o que somos
inclassificáveis

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,

não há sol a sós

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros

somos o que somos
inclassificáveis

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio, que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,
não há sol a sós

egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol"


Nós, brasileiros, somos "inclassificáveis", pois somos fruto de nossa mistura racial secular. Nossa diversidade étnica é enfatizada quando Arnaldo Antunes emprega todas as palavras no plural e, sobretudo, ao dizer que “não tem deus, tem deus”, “não tem cor, tem cores”. O Brasil é e existe na pluralidade.

Da mesma forma, a música "Paratodos" trabalha com a pluralidade etno-cultural. O próprio título da canção, onde as duas palavras se misturam ("para todos"), enfatiza a mestiçagem entre as etnias que geraram o brasileiro. Composta em 1993 por Chico Buarque, "'Paratodos' trata-se de uma toada homenagem aos personagens que integram a tradição da música popular. (...) Partidário do conceito de música popular que privilegia o aspecto nacional em sua heterogeneidade - uma proposta distinta modernista -, o compositor considera as manifestações locais como diferenças que se suplementam ao conceito de nação." (Clique aqui e leia a análise na íntegra). (3)




Paratodos
(Chico Buarque)

"O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antonio Brasileiro

Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Pra seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas

Nessas tortuosas trilhas
A viola me redime
Creia, ilustre cavalheiro
Contra fel, moléstia, crime
Use Dorival Caymmi
Vá de Jackson do Pandeiro

Vi cidades, vi dinheiro
Bandoleiros, vi hospícios
Moças feito passarinho
Avoando de edifícios
Fume Ari, cheire Vinícius
Beba Nelson Cavaquinho

Para um coração mesquinho
Contra a solidão agreste
Luiz Gonzaga é tiro certo
Pixinguinha é inconteste
Tome Noel, Cartola, Orestes
Caetano e João Gilberto
Viva Erasmo, Ben, Roberto

Gil e Hermeto, palmas para
Todos os instrumentistas
Salve Edu, Bituca, Nara
Gal, Bethania, Rita, Clara
Evoé, jovens à vista

O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos
Sou um artista brasileiro"


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Fontes:
(1) CHILDE, Vere Gordon. A evolução cultural do homem. Ed Zahar, Rio de Janeiro, 1986.

(2) BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira - temas e situações. Ed Ática, São Paulo, 1987.

(3) "Paratodos" (Chicobuarque.com.br/texto/artigos/artigo_cienciahoje_1204)

Vídeo nas Aldeias - Vicent Carelli

O antropólogo e documentarista franco-brasileiro Vicent Carelli iniciou o projeto Vídeo nas Aldeias em 1987, que registra partes do cotidiano indígena, as vivências e expressões de cada tribo, com o objetivo de fortalecer a identidade indígena, seus patrimônios culturais e territoriais. Há 16 anos o projeto Vídeo nas Aldeias forma diretores cinematográficos indígenas, o que permite aos povos indígenas mostrarem a si próprios, sem a visão exotista européia.






"O ato de filmá-los e deixá-los assistir o material filmado, foi gerando uma mobilização coletiva. Diante do potencial que o instrumento apresentava, esta experiência foi sendo levada a outros grupos, e gerando uma série de vídeo sobre como cada povo incorporava o vídeo de uma maneira particular. (...) Em 1997, foi realizada a primeira oficina de formação na aldeia Xavante de Sangradouro. O VNA foi distribuindo equipamentos de exibição e câmeras de vídeo para estas comunidades, e foi criando uma rede de distribuição dos vídeos que iam produzindo. Foi se desenvolvendo e gerando novas experiências, como promover o encontro na vida real dos povos que tinham se conhecido através do vídeo, 'ficcionar' seus mitos, etc. O VNA foi se tornando cada vez mais um centro de produção de vídeos e uma escola de formação audiovisual para povos indígenas." (1)

Seu último longa-metragem foi "Corumbiara", finalizado em janeiro de 2009, que documenta sua trajetória junto aos índios isolados da Gleba Corumbiara no sul de Rondônia. Em 1985, a região foi cenário de um massacre de índios isolados. O conflito na fazenda Santa Elina teve a mesma gênese de outros inúmeros massacres acontecidos contra camponeses, posseiros e índios ao longo de quinhentos anos de luta pelo acesso e posse à terra. "Corumbiara" venceu no 37º Festival de Gramado nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor filme do júri popular e melhor montagem. 



Visite o site do projeto Vídeo nas Aldeias e saiba mais.


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Fonte:
(1) "Vídeo nas Aldeias" (Videonasaldeias.org.br)

Coleção TABA - Histórias infantis



A coleção TABA foi uma publicação brasileira lançada em 1982 pela Editora Abril Cultural que trazia a cada fascículo uma história infantil em disco vinil e um livro ilustrado, reunindo contos escritos por Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Maria Clara Machado, Luis Camargo, Cristina Porto, Sylvia Orthof, Myrna Prinsky, entre outros.


                            
("Malaquias, o macaco cismado", de Cristina Porto, com ilustrações de
Alcy Linares e música de Tom Zé e Cristina Porto - Fonte: Internet)


("O segredo do Curumim", de Sonia Robatto, com ilustrações de
Sérgio Cântara e música de Chico Buarque - Fonte: Internet)


Num total de 40 fascículos, a coleção TABA foi um projeto inovador que reuniu vários artistas brasileiros como intérpretes e narradores, dentre eles Chico Buarque, Caetano Veloso, Lenine, Tom Zé, Secos e Molhados e Gal Costa.

O projeto trazia uma grande influência do Tropicalismo (movimento cultural brasileiro das décadas de 1960/70). Carregadas de uma forte referência ao folclore brasileiro, as histórias trabalham habilmente o jogo de palavras e recriam de forma muito criativa e lúdica o imaginário infantil. Para ouvir todas as histórias da coleção TABA, clique aqui.

Veja abaixo toda a coleção:

01 – Marinho Marinheiro – Gilberto Gil e Babuska
02 – Sapo Vira Rei vira Sapo – Nara Leão
03 – O Segredo do Curumim – Chico Buarque e Francis Hime
04 – Tião das Selvas – Caetano Veloso e Betina
05 – Bom Dia, Todas as Cores – Renato Terra e Fernando Gama
06 – Malaquias, o Macaco Cismado – Tom Zé e Cristina Porto
07 – Folia de Feijão – Guarabyra & Grupo Terra Molhada
08 – O Barquinho – Musica Tavito e Jane Duboc – Irupe e Menino Navegador
09 – O Circo Cheio de Lua – Nara Leão
10 – Curupaco Papaco – Gal Costa
11 – Ratinha Ritinha – Tom Zé – Folclore Brasileiro
12 – O Jacaré Que Comeu a Lua – Joel Rufino dos Santos
13 – O Coronel e o Barbeiro – Caetano Veloso
14 – Saci Perere da Mata Esucra – Secos & Molhados
15 – Malandragens de um Urubu – Angela Herz, Ruy Quaresma
16 – Marte Invade a Terra – Ruy Quaresma
17 – Filhote de Trem – Edu Lobo e Tulio Mourão
18 – Dona Lua Vai Casar – Caetano Veloso e Fatima Flor
19 – Zé Prequete – Milton Nascimento
20 – As Casas Que Fugiram de Casa – Elis Regina
21 – A Jangada de Natal – Gal Costa e Lenine
22 – A Flauta de Pan – Caetano Veloso
23 – O Bicho-Folhagem – Edson Gama
24 – O Rei que não Sabia de Nada – Luciano Alves e Celia
25 – Mamãe, Eu Quero Miar – Carlos Negreiros
26 – O Rapto das Cebolinhas – Nara Leão
27 – O Mistério de Zuambelê – Tom Zé
28 – Severino Faz Chover – Quinteto Violado
29 – A Bruxinha que Era Boa – Lucia Turnbull
30 – Pererê na Pororoca – Ney Matogrosso
31 – Passarinho Me Contou – Boca Livre
32 – O Gigante Azul – Ronaldo Mota
33 – Chico Palito – Chico Buarque de Hollanda
34 – Festa No Céu – Os Gladiadores
35 – A Salamanca do Jarau – Nara Leão
36 – Dona Baratinha – Tom Zé
37 – O Vaqueiro Misterioso – Rolando Boldrin – Tavito
38 – Adivinhe se é Capaz – Renato Rocha
39 – Chapeuzinho Vermelho – João Gilberto
40 – Romeu e Julieta – Linda Borboleta com Jane Duboc