Folclore brasileiro



Segundo Guacira Waldeck, em "Brasis Revelados", "o movimento folclórico brasileiro se disseminou a partir de 1947, no contexto internacional de um mundo ainda sob o impacto da Segunda Guerra." Surgiu no Brasil, então, a Comissão Nacional de Folclore, instalada no Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, e vinculada ao Ministério das Relações Exteriores.

Os primeiros estudos no Brasil voltaram-se primeiramente para a poesia popular. Os estudos e pesquisas eram conduzidos tendo como embasamento as correntes filosóficas e científicas européias.

Durante o Modernismo brasileiro, Renato Almeida (modernista e musicólogo baiano), sugeriu que se estudasse, não só a literatura, "mas também outros aspectos da vida social, materiais e concretos como as artesanias, as indumentárias, os instrumentos musicais, além das formas de execução, as coreografias, os componentes rituais, e ainda as considerações econômicas, políticas, históricas e geográficas. Percebe-se então que (...) no entendimento do folclore deve-se considerar 'o comportamento do grupo social onde existe e as formas que revestem o fato', conforme escreveu no seu 'A inteligência do folclore' (1974)." (1)


As lendas brasileiras



Boitatá

A palavra "boitatá" (do tupi, boia: cobra; atatá: fogo) é de origem indígena e é representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais capaz de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito seja um dos primeiros do folclore brasileiro e há registros de que a primeira versão da história foi relatada nos textos do padre José de Anchieta, que denominou com o termo tupi Mbaetatá ("coisa de fogo"). Em 1560 ele registrou: "Há também outros (fantasmas), máxime nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer cousa de fogo, o que é o mesmo como se se dissesse o que é todo de fogo. Não se vê outra cousa senão um facho cintilante correndo para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras; o que seja isto, ainda não se sabe com certeza." (2)


(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


Em Santa Catarina, a figura aparece da seguinte maneira: um touro de "pata como a dos gigantes e com um enorme olho bem no meio da testa, a brilhar que nem um tição de fogo". Entretanto, a versão que predominou foi a do Rio Grande do Sul. Nessa região, a lenda diz que houve um período de noite sem fim nas matas. Além da escuridão, houve uma enorme enchente causada por chuvas torrenciais. Assustados, os animais correram para um ponto mais elevado afim de se protegerem. A boiguaçu, uma cobra que vivia numa gruta escura, acorda com a inundação e, faminta, decide sair em busca de alimento, com a vantagem de ser o único bicho acostumado a enxergar na escuridão. Decide comer a parte que mais lhe apetecia, os olhos dos animais. E de tanto comê-los vai ficando toda luminosa, cheia de luz de todos esses olhos. O seu corpo transforma-se em ajuntadas pupilas rutilantes, bola de chamas, clarão vivo, boitatá, cobra de fogo.



Boto

Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. A crença nasceu quando uma moça encontrava um namorado nas festas de junho. Nas tradicionais noites juninas na Amazônia, o povo festeja o nascimento de Santo Antônio, São João e São Pedro. É comum fazer fogueiras e atirar foguetes, enquanto se dança quadrilhas e se desfruta as comidas típicas, ao som alegre de sanfonas.


(Foto: Redação/TV Tapajós - Fonte: Internet)


A lenda do Boto ou Uauiara (boto, em tupi), conta que, durante essas noites, enquanto as pessoas estão distraídas celebrando, o boto rosado aparece transformado em um bonito e elegante rapaz mas sempre usando um chapéu, porque sua transformação não é completa - suas narinas se encontram no topo de sua cabeça fazendo um buraco. Ele então conquista a primeira mulher bonita que encontra na festa e, logo após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes da madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se novamente em um boto. É graças a este fato que, durante as festividades de junho, quando aparece um rapaz usando chapéu, as pessoas lhe pedem para que ele o retire no intuito de se certificarem de que não é o boto que ali está. Ainda hoje, na região norte brasileira, quando as pessoas desejam justificar a geração de um filho fora do casamento, ou um filho do qual desconhece o pai, é comum ouvir que a criança é filha do boto.


Caipora (Curupira)

No folclore brasileiro, é representada como um pequeno índio de pele escura, ágil, nu, que fuma um cachimbo e gosta de cachaça. Habitante das florestas, a Caipora reina sobre todos os animais e destrói os caçadores que não cumprem o acordo de caça feito com ele. Vive montado numa espécie de porco-do-mato e carrega uma vara. Seus pés voltados para trás serve para despistar os caçadores, deixando-os sempre a seguir rastros falsos. Quem o via perdia totalmente o rumo, e não sabia mais achar o caminho de volta. É também chamado de Pai ou Mãe-do-Mato, Curupira e Caapora.



(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


Para os índios Guaranis ele era conhecido como o Demônio da Floresta. Aparentado do Curupira, o Caipora protege os animais da floresta. Os índios acreditavam que a Caipora temesse a claridade, por isso protegiam-se dele andando com tições acesos durante a noite. Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560, dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". (Entre o Tupis-Guaranis, existia uma outra variedade de Caipora, chamada Anhanga, um ser maligno que causava doenças ou matava os índios. Existem entidades semelhantes entre quase todos os indígenas das américas Latina e Central).


Lobisomem

Também conhecido como Licantropo (do grego lykos: lobo; anthrōpos: homem), este mito aparece em várias regiões do mundo e tem sua origem na mitologia grega. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transforma-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata em seu coração seria capaz de matá-lo.


(Desenho de um Lobisomem, por Lucas Cranach, 1512 - Fonte: Wikipedia)


 No Brasil há algumas variações dessa lenda, de acordo com a região. "Uma versão diz que a sétima criança em uma seqüência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o oitavo filho se tornará a fera." (3). Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Como o nome diz, é metade lobo, metade homem. Depois de transformado, o lobisomem sai à noite à procura de sangue. Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência por bebês não batizados.


(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


Subjacente à lenda, fincada em suas seculares raízes, pode estar um raro distúrbio orgânico, ao qual os cientistas chamam hipertricose. A lenda do lobisomem difundiu-se rapidamente na Europa em decorrência dos casos dessa singular alteração genética. A hipertricose é conhecida por um crescimento desproporcional de pêlos em qualquer parte do corpo. Dessa forma, provalmente por causa da anomalia, os indivíduos com hipertricose saíam de suas casas com maior freqüência à noite, gerando a lenda do lobisomem.


Mãe-d'água

Os cronistas dos séculos XVI e XVII registraram a história inicialmente com um personagem masculino. Chamava-se Ipupiara (do tupi, Igpupiara ou Hypupiara: "monstro marinho"). Era uma espécie de "homem peixe", que devorava os pescadores da região e os levava para o fundo do rio.Já no século XVIII, Ipupiara vira a sedutora Iara. Também conhecida como Iara ou Uiara (do tupi y-îara: senhora das águas), a Mãe-D'água é uma sereia que possui o corpo metade mulher, metade peixe.


(Fonte e Chafariz da Mãe-D'água no centro histórico
de São Luis do Maranhão, MA - Foto: Rodolpho Oliveira - Fonte: Internet)


Segundo a lenda, Iara era a melhor índia guerreira de sua tribo. Com inveja dos elogios que recebia do pai, o pajé da aldeia, os irmãos de Iara decidiram matá-la. Durante a noite, enquanto Iara dormia, seus irmãos entraram em sua cabana. Iara foi salva por conta de sua audição aguçada, que acabou acordando antes e, para se defender, matou seus irmãos. Com medo de seu pai, Iara fugiu. Seu pai propôs uma busca implacável por Iara e, quando a encontraram, como punição Iara foi jogada no encontro do rio Negro com Solimões. Os peixes a trouxeram à superfície e à noite, a lua cheia transformou a índia em uma linda sereia, de longos cabelos e olhos verdes.



Corpo-seco

É uma espécie de assombração que fica assustando as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas ruins, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma "alma penada".


(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


No interior de São Paulo há uma variante desta lenda. Por se alimentar de sangue humano, quando uma pessoa passa perto do corpo seco, este pula sobre ela e suga todo seu sangue (semelhante a um vampiro). Essa lenda é bastante difundida nos estados do Paraná, Amazonas, em alguns países africanos de língua portuguesa e na região Centro-Oeste, principalmente.


Pisadeira


A lenda diz que Pisadeira seria uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar na barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.


(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


O jornalista e folclorista Cornélio Pires, importante etnógrafo da cultura e dialeto caipiras, escreveu em seu livro "Conversas ao pé do fogo", referindo-se à Pisadeira: "Esta é ua muié muito magra, que tem os dedos cumprido e seco cum cada unhão! Tem as perna curta, cabelo desgadeiado, quexo revirado pra riba e nari magro munto arcado; sombranceia cerrado e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi logo, deitado de costa, ele desce do teiado e senta no peito da gente, arcano... arcano... a boca do estámo... Purisso nunca se deve dexá as criança durmi de costa." Provavelmente esta lenda estaria relacionada com o fato de que muitas pessoas têm sono conturbado e com pesadelos, quando vão dormir após uma refeição pesada.


Mula-sem-cabeça


A Mula-sem-cabeça é uma antiga lenda dos povos da Península Ibérica, que foi trazida para a América pelos espanhóis e portugueses. Esta história faz parte, também, do folclore mexicano (conhecida como "Malora") e argentino (com o nome de Mula Anima). Acredita-se que este mito tenha nascido no século XII, época em que as mulas serviam de transporte para os padres. No Brasil, a lenda disseminou-se por toda a região canavieira do Nordeste e em todo o interior do Sudeste.

A Mula-sem-cabeça, representa uma espécie de lobisomem feminino, que assombra povoados onde existam casas rodeando uma igreja. Após o romance entre uma fiel e um padre, como castigo, em todas as noites de quinta para sexta-feira, esta seria transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas narinas. Simbolicamente a Mula-sem-cabeça queira, talvez, representar a libido. É um animal que aparece sem cabeça, ou seja, metaforicamente, queira simbolizar a ausência da razão e da própria consciência (o predomínio do instinto animal).


(Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Internet)


A relação entre uma mulher (pecaminosa) que se atreveu a envolver-se com um padre (o representante de Deus na Terra), conecta-se à Idade Média, onde os homens tinham medo do poder de sedução feminino. Esses medos, que os levaram a abster-se de qualquer contato com o sexo oposto, geraram fantasias e a criação de assombrações, para incutir maior receio.


Mãe-de-ouro


Os relatos das primeiras histórias sobre a Mãe-de-Ouro ocorreram no auge da época do Ciclo do Ouro, no século XVIII, nas regiões auríferas brasileiras (Minas Gerais, Goiás e Bahia).


(Ilustração: Antonio Luis M. Costa - Fonte: Internet)


É provável que a lenda da Mãe-de-Ouro tenha nascido da fantasia dos solitários garimpeiros que, em busca da riqueza, construíram o Brasil central. A lenda corre no rio das Garças, que em outros tempos foi rico em pedras preciosas. O fogo-fátuo desprendido das ossadas dos animais mortos causava medo aos garimpeiros, ao mesmo tempo eram vistos como os pingos de luz de uma mulher que trazia as riquezas da região, escondidas em suas grutas e no leito dos seus rios. Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, os faz largar suas famílias.


Saci-Pererê

Talvez seja esse um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro. Saci deriva do tupi (sa'sï, onomatopeia do pio do pássaro matinta-pereira). Os cronistas do Brasil colonial não o mencionam. Diz a crença popular que dentro de todo redemoinho de vento existe um Saci. "Ele não atravessa córregos nem riachos. Alguém perseguido por ele, deve jogar cordas com nós em sem caminho que ele vai parar para desatar os nós, deixando que a pessoa fuja. Diz a lenda que, se alguém jogar dentro do redemoinho um rosário de mato bento ou uma peneira, pode capturá-lo, e se conseguir sua carapuça, será recompensado com a realização de um desejo." (4)


(Ilustração: Antonio Luis M. Costa - Fonte: Internet)


O personagem parece ter nascido no século XIX ou final do XVIII, entre as tribos indígenas do sul do Brasil. Conhecido também como Matinta-pereira ou Maty, inicialmente o Saci era retratado como um curumim endiabrado, com duas pernas, cor parda, além de possuir um rabo típico. Com a influência da mitologia africana, o saci se transformou em um menino negro que perdeu sua perna lutando capoeira. Além disso, herdou o pito (uma espécie de cachimbo) e ganhou, da mitologia européia, um gorrinho vermelho.



Fontes:
(1) Folclore/Cultura Popular - Aspectos de sua história, Cáscia Frade, Campinas.

(2) Cartas, Informações, Fragmentos Históricos, etc. do Padre José de Anchieta, Rio de Janeiro, 1933.

(3) "Lobisomem" (Wikipedia)

(4) Folclore Brasileiro Ilustrado: Lenda do Saci Pererê.

7 comentários:

  1. A menina que detém um estilo que abrange a multicor do Brasil e a doçura de garota, vem me dizendo sobre folclore deste país delicioso. Só pode dar o que? Sorriso e alegria demais.

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  2. João, seja bem-vindo :D
    Obrigada pelas palavras! Abs!

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  3. Parabens pelo material.

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  4. Que bom saber q tem alguem preocupado em divulgar nosso folclore e nossas lendas q são mais facinantes q o de qualquer país ....
    Tenho q dizer tbm q vim em busca de respostas já q moro junto a uma mata e vez ou outra vemos uma linda luz zanzando pelo nosso muro :o)

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  5. Que legal!!! Eu já adorei seu site imagine o blog! :D
    Fantásticas suas ilustrações, eu me escrevi pra ganhar os cartazes na cartazeira e fiquei doido quando eu vi os seus trabalhos! :D :D :D

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  6. Parabéns! Com sua matéria fiz um trabalho escolar! Obrigado. :D

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  7. as historias sao um maximo !!!!!!!!!!!

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