A origem do Natal

A palavra "Natal" advém do latim (nātālis), derivada do verbo nāscor (nāsceris, nascer). "Christmas", por sua vez, provém do inglês, evoluído de Christes maesse (Christ’s mass, missa de Cristo). A tradição de celebrarmos o Natal em 25 de Dezembro e todo o simbolismo desta festividade remonta a milênios. Sua data é indefinida, porém há relatos históricos de que as comemorações antecedem de 2 a 4 mil anos o nascimento de Jesus. Durante a desintegração do Império Romano, muitos povos "bárbaros" que chegaram à Europa trouxeram consigo uma série de tradições que definiam a sua própria identidade religiosa.

Nesse mesmo período, a expansão do cristianismo foi marcada por uma série de adaptações, de modo que as divindades, festas e mitos das religiões - até então pagãs - foram incorporados ao universo cristão. (Convém lembrar que o termo bárbaro remete a uma sociedade vista como não civilizada. De origem grega - βάρβαρος bárbaro significa "não grego". Ou seja, esta era uma expressão para designar os povos "estrangeiros", ou seja, quem não era grego e cuja língua materna não era o idioma grego). Joseph Campbell, em entrevista ao jornalista norte-americano Bill Moyers publicada em "O Poder do Mito" (Editora Palas Athena, 1990) esclarece que "toda mitologia cresceu numa certa sociedade, num campo delimitado. Então, quando as mitologias se tornam muitas, entram em colisão e em relação, e se amalgamam, e assim surge uma outra mitologia, mais complexa. (...) A característica dos povos imperialistas é ver o seu deus local promovido a senhor de todo o universo. As demais divindades deixam de contar. E o meio de conseguir isso é aniquilar o deus ou deusa que estava aí antes."

Uma das origens do Natal é Zagmuk, um antigo festival na Mesopotâmia que simbolizava a passagem de um ano para outro, geralmente durava 12 dias. Segundo Morris Jastrow, um pesquisador de estudos relacionados às sociedades orientais declarou em 1896 para o Jornal Americano de Linguagem Semiótica e Literatura, que no início do mês de Nisan os babilônios celebravam o festival de Zagmuk com sacrifícios e oferendas. Passando pelas principais ruas da Babilônia eles carregavam Marduk, sua esposa e filho, entre outros deuses. 



(Marduk e seu dragão Mušḫuššu - clique para ampliar - Fonte: Wikipedia)


Devido ao solstício de inverno, a lenda dizia que o rei deveria morrer ao lado de Marduk, para ajudá-lo na batalha contra os monstros do caos (a escuridão). Entretanto, para poupar o rei, um criminoso era vestido com suas roupas e tratado com todos os privilégios do monarca para então ser morto e levar consigo todos os pecados do povo. Jany Canela, mestre em educação e graduada em História pela Universidade de São Paulo, comenta que "os povos antigos sempre realizaram festas de celebração em deferência aos marcos de transição da natureza, como as estações ou períodos representativos de mudanças importantes, entre eles o solstício (em dezembro) e o equinócio (em março).

Um ritual semelhante, conhecido como Sacae (versão latinizada do iraniano arcaico, Sakā), também era realizado pelos persas e babilônios. Sob os mesmos pilares da luta contra a escuridão, a versão também contava com escravos tomando lugar de seus mestres. Jany nos diz que nossa tradição de celebrar o Natal à meia-noite possivelmente remonta a estes rituais pagãos: "Por conta da relação luz/escuridão trazida pela simbologia do solstício, a teoria mais difundida sobre o Natal associa a data a esse período, em que alguns povos passavam a noite em vigília com tochas acesas para garantir que o sol nascesse e imperasse sobre a escuridão", diz a historiadora.


(Inscrição de um cavaleiro Pazyryk - povo nômade que viveu na Rússia siberiana -
durante o ritual Sacae, cerca de 300 a.C. - Fonte: The World of Ancient Art)


(Vestimenta dos guerreiros - Homens Dourados - encontrada às margens do Lago Issyk Kol, no Quirguistão, na Ásia Central. O traje era usado no ritual Sacae,
e data do século V a.C. - Fonte: The Oriental Caravan)


A Grécia antiga também incorporou os rituais estabelecidos pelos mesopotâmios ao celebrar a luta de Zeus contra o titã Cronos. O costume alcançou os romanos, que passaram a realizar a Saturnalia (em homenagem a Saturno). A festa iniciava em meados de Dezembro e decorria até o início de Janeiro. Mas outros cultos existiam também, como é o caso do deus Apolo, considerado como "Sol invicto" (Sol Invictus), ou ainda de Mitra, adorado como Deus-Sol. Este último, muito popular entre o exército romano, era celebrado nos dias 24 e 25 de Dezembro, data que, segundo a lenda, correspondia ao nascimento da divindade. Em 273, o Imperador Aureliano estabeleceu o dia do nascimento do Sol em 25 de Dezembro: Natalis Solis Invicti (do latim, "nascimento do Sol invencível"). Neste dia não havia trabalho nem aulas. Eram realizadas festas nas ruas e grandes jantares com amigos. As árvores eram ornamentadas com galhos de loureiros e iluminadas por muitas velas para espantar os maus espíritos da escuridão.


(O imperador Aureliano e sua coroa, moeda de bronze prateado,
por volta de 274 - Fonte: Wikipedia)


É somente durante o século IV, com a conversão do imperador Constantino ao catolicismo que o nascimento de Cristo começa a ser celebrado pelos cristãos (até aí a sua principal festa era a Páscoa) mas no dia 6 de Janeiro, com a Epifania. (Do verbo grego epiphaino: mostrar), a palavra epifania significa aparição, manifestação. A alteração das datas comemorativas foi realizada pelo Papa Gregório XIII (responsável pelo vigente calendário gregoriano). 



Presépio

Etimologicamente a palavra presépio provém do latim (praesepium; prae: à frente; saepes: fechado, cercado). Durante o século XVI foram introduzidos nas igrejas os primeiros presépios em escala reduzida. Seu surgimento foi motivado por representações plásticas e teatrais. A primeira, situa-se no final do século IV, surgida com Santa Helena, mãe do Imperador Constantino; da segunda, a teatral, os registros mais antigos que se tem conhecimento datam do ano de 1223, com Francisco de Assis. Ele teria reproduzido um "presépio vivo" com personagens e animais em sua igreja em Greccio, na Itália. Os personagens reais que realizaram a encenação eram habitantes da própria aldeia, tradição que disseminou-se rapidamente.


(Presépio natalino, costume católico em que se reúne pequenos personagens moldados
em massa e faz referência à mitologia cristã - Fonte: Internet)


Alguns anos depois, por volta de 1803, os habitantes de Provença começaram a reproduzir os personagens folclóricos do presépio em massa de modelar, conhecidos como santons. O livro "Le petit monde du santons de Provence" ("O pequeno mundo dos santinhos de Provença"), de Laurent  Giradou e publicado por Equinoxe em 2010 possui cerca de 130 páginas com registros da coleção de santos confeccionados por Gilbert Orsini, um dos mais conhecidos mestres artesãos).

(Curiosamente, termo bastante similar ao praesepium, Praesepe - como também é conhecido o Messier 44 - é um aglomerado estelar aberto localizado na constelação de Câncer, considerado um dos mais próximos aglomerados estelares. Por ser visível a olho nu, o M-44, também conhecido como o Aglomerado do Presépio é conhecido desde a Antiguidade).



Árvore

Na Idade Média, árvores enfeitadas faziam parte de todas as grandes festas – por exemplo, das festas da cumeeira (tradição adotada também no Brasil, durante o colonização européia). A primeira menção do uso de pinheiros na ornamentação das festas natalinas data de documentos de 1419. Nas vésperas do solstício de inverno, os povos pagãos da região dos países bálticos (nordeste europeu) cortavam pinheiros e os levavam para seus lares, enfeitando-os para que, depois da queda das folhas no inverno, os espíritos das árvores retornassem. Entre os egípcios, o cedro se associava a Osíris. Os gregos ligavam o loureiro a Apolo, o abeto a Átis, a azinheira a Zeus. Já os germânicos colocavam presente para as crianças sob o carvalho sagrado de Odin.


(Winfried, rebatizado São Bonifácio pelo papa Gregório II, venerado pela
Alemanha católica, da qual é patrono - Fonte: Heróis Medievais)


A tradição de adornar a árvore durante o solstício de inverno foi mantida ao longos dos séculos na Europa. A árvore de Natal tal qual a conhecemos atualmente teve origem na Alemanha, por volta do século XVI. Na tentativa de acabar com a crença dos povos pagãos, no início do século XVIII, o monge beneditino São Bonifácio, cortou um pinheiro sagrado que os locais adoravam no alto de um monte. Sem sucesso na erradicação da crença, São Bonifácio decidiu então associar o formato triangular do pinheiro à Santíssima Trindade e suas folhas resistentes e perenes à eternidade de Jesus. 


("Adão e Eva", óleo sobre tela de Lucas Cranach, 1526 -
clique para ampliar - Fonte: Wikipedia)


A etnóloga Christel Köhle-Hetzinger, da Universidade de Jena, na Alemanha, conhece uma série de histórias que tentam explicar a origem da tradição medieval: "Sabe-se também que árvores verdes eram postas nas igrejas na época de Natal. Era, sem dúvida, uma alusão à árvore do paraíso, que desempenha um papel próprio em toda a liturgia cristã. Ou seja, uma árvore cristã da vida. Como na história de Adão e Eva." O teólogo Fernando Altermeyer, da PUC-SP, ratifica: "No antigo calendário cristão, o dia 24 de dezembro era dedicado a Adão e Eva, cuja história costumava ser reencenada nas igrejas. O paraíso era representado plasticamente por uma árvore carregada de frutos, colocada no meio da cena teatral."



Guirlanda

Na simbologia das formas, o círculo é associado ao ponto e ambos podem ser considerados como sinais supremos de perfeição, união e plenitude, representando o céu e a ordem cósmica na astrologia. Símbolo do movimento, como a roda e as habitações dos povos nômades (que dispunham os seus acampamentos também em forma de circulo protetor), o círculo também representa os movimentos cíclicos dos planetas nos horóscopos e no Zodíaco, à volta do Sol.



(O elemento circular presente na Roda da Fortuna. A imagem acima é parte do Codex Buranus, uma ópera do século XX, de Carl Orff, que utilizava a métrica dos hinos católicos e melodias do canto Gregoriano - Fonte: Hecatus)



(Tradicional guirlanda de Natal - Fonte: Internet)


Consideradas simbolicamente como "adornos de chamamento", as guirlandas eram muito utilizadas nos solstícios de inverno como convite para que os Deuses viessem a morar em nossas casas durante o inverno, fazendo companhia e nos abençoando o lugar. Seu permaneceu durante a Roma Antiga: oferecer um ramo de planta significava um voto à saúde, proporcionando o costume de enrolar os ramos em uma coroa. 


 (Arbustos utilizados para a confecção das guirlandas natalinas.
Da esquerda para a direita: azevinho, visco branco e hera - Fonte: Internet)


(A Deusa Frigga e suas quatro escravas: 
Fulla, Gna, Hiln e Eir - Fonte: Internet)


O mais conhecido dos três arbustos é o azevinho; ele é composto de folhas verdes e frutos em tom vermelho vivo, que simbolicamente representam o aspecto masculino das divindades celtas e dizem ter o poder de repelir o mal. Já o visco branco têm folhas mais arredondadas e de textura macia. Os frutos brancos estão ligados ao aspecto feminino das divindades celtas, representando a imortalidade e fertilidade. Todos estes arbustos são ditos protetores, pois acreditavam que traziam boa sorte e proteção, e eram colocados nas portas para afastar os maus espíritos e o azar. (As bolas nas árvores de natal também simbolizavam o azevinho e o visco, já que a bola vermelha representa o fruto do azevinho e a bola branca o fruto do visco). Na mitologia escandinava, o azevinho representava Thor e Freya enquanto o visco representava a deusa  do amor, Frigga (imagem acima). É daí que advém o mito de que beijar a pessoa que se ama debaixo de uma guirlanda natalina trará um bom futuro. 



Sinos e estrela

Sino, do latim signum (sinal), tem sua origem na China, por volta de 3000 a.C. Por sua criação anteceder a religião católica o sino, conhecido até então como um objeto pagão, foi adotado por monges missionários durante o século VI d.C., que o introduziram na Europa Central. Sua finalidade era a anunciação do Evangelho e o chamado do povo para a participação em Assembléias. Segundo Voltaire Schilling, ex-diretor do Memorial do Rio Grande do Sul e que leciona História há mais de 30 anos, conta que "o dia-a-dia de toda a cristandade era regulado pelo bimbalho forte que saindo do alto da torre da igreja inundava tudo ao redor, invadindo os silêncios dos campos vizinhos e empinando até as orelhas dos bichos. O sino foi durante muito tempo o grito do medievo. Era o que fazia soar os alarmes, os socorros, lamentava as pestes e acompanhava pesaroso os enterros. Registrava também as alegrias da comunidade, o dia do padroeiro, o nascimento do príncipe, a boda da princesa ou uma festa do senhorio." (1)

A partir do ano de 1600 a fabricação de sinos na Europa era considerada uma arte. Foi então introduzida a técnica de produzir certos timbres, notas e melodias. Foi a partir dessa data que, pela primeira vez, tornou-se possível fazer soar vários sinos simultaneamente, sem que fosse sentido uma dissonância musical. "É importante dizer que o som de um bom sino é captado a quilômetros de distância de sua emissão. Por isso as guerras eram o inimigo número um deles. Com o desenvolvimento dos canhões no século XV, os campanários das igrejas eram as primeiras instalações a caírem nas mãos dos invasores e eram consideradas presas de guerra. Não só para evitar a transmissão de sinais, mas também para que seus sinos fossem transformados em canhões." (2)


(Gaspar, Baltasar e Melchior em mosaico datado do século VI,
Basílica de Santo Apolinário Novo, em Ravenna, Itália - clique para ampliar)


Já a simbologia da estrela na celebração natalina advém da mitologia de que teria servido de "guia celeste" aos Reis Magos (Gaspar, Baltasar e Mechior), apontando-lhes para o local do nascimento de Jesus. No ano 5 a.C. documentos astronômicos indicam que teria ocorrido uma grande explosão estrelar, resultando numa grande luminosidade que permaneceu no céu por inúmeros dias. Um fato que pode ter originado a imagem da estrela de Belém, já que Jesus nasceu entre os anos 8 e 4 antes da chamada era cristã. Em 1606, o astrônomo e matemático alemão Johannes Kleper afirmou que a estrela era uma rara conjunção da Terra com os planetas Júpiter e Saturno, transitando por Sol. Esta conjugação se apresenta aos olhos do observador terrestre como uma estrela muito brilhante. 

É conhecido que os fenômenos naturais como por exemplo a chuva, aurora boreal (nos países nórdicos) e relâmpagos eram tidos como sinais divinos pelos povos pagãos. A respeito da simbologia das manifestações da natureza, Jacques-Noël Pérès, professor de patrística e de história antiga da Igreja da Faculdade de Teologia Protestante de Paris, em seu artigo publicado na revista História Viva #35 (Dezembro, 2011), comenta que os cometas eram tidos como mau presságio, "sinal antecipador de catástrofes naturais e epidemias devastadoras, como a fome ou a peste, e quando não pura e simplesmente o fim do mundo. Eles eram acompanhados por reações coletivas de pânico e temor, mas também por conversões em massa."



Papai Noel

Em entrevista a um programa brasileiro a atriz e modelo Elke Maravilha contou brevemente a origem mitológica do Papai Noel (vídeo abaixo).



Há mais de 15 mil anos antes de Cristo, o inverno mais frio e escuro dos vikings se dava no dia 24 de Dezembro, o dia onde o sol está mais longe da Terra. Por conta das baixas temperaturas, os povos da região tinham seis meses pra armazenar um estoque relevante de comida. A localização das casas, muito bem planejadas, encontravam-se próximas as fontes de água. Eram componentes da culinária escandinava: castanhas, nozes e peixes de carne dura. O alimento podia ser desidratado (como o bacalhau), defumado, ou ainda, azedado (como as conservas); tudo sempre bem salgado para melhor conservar, pois não havia modo de refrigerar o alimento. (Outro ponto essencial era o estoque de lenha, uma vez que o fogo servia tanto para iluminar e aquecer, quanto para o preparo de alimentos).

A temperatura chegava até -50ºC. "Era o tempo em que as trevas começavam a vencer a luz, a vida perder para a morte, a sabedoria perder para a ignorância e a verdade perder para a mentira", diz Elke Maravilha durante a entrevista. Os xamans das aldeias vikings se reuniam sob o pinheiro que, apesar das baixas temperaturas, continuava verde e vivo. Acendendo velas sobre as árvores eram oferecidos pedidos em seus rituais, para que a vida vencesse a morte, que a luz vencesse as trevas e a sabedoria vencesse a ignorância. "Como o caçador é anterior ao guerreiro, o instinto da luta é uma consequência da caça. Todos os velhos conquistadores foram caçadores excelentes. (...) Dou ao caçador o ímpeto primário de matar, o exercício do ataque, o sabor primeiro da vitória compensadora. O guerreiro, matador de homens, nasceu do caçador, vencedor de animais." (3)

O xaman da aldeia escolhia um rapaz que estava em rito da passagem de adolescente para a idade adulta e mandava caçar um urso branco, símbolo da força viking. Este levava seu trenó e suas renas para a caça ao urso e, se retornava, como mandava o ritual, trajava a pele do urso (com o sangue para fora e os pêlos brancos na parte interior, aquecendo-lhe o corpo).


(O bispo São Nicolau - padroeiro de países como Rússia, Grécia e Noruega -
do qual advém a figura mitológica do Papai Noel - Fonte: Wikipedia)


A mitologia acerca da figura do Papai Noel nasceu por volta de 280 d.C., após a conversão dos povos pagãos à religião católica. Nascido em Patara, na Ásia Menor, o bispo Nicolau - filho de pais ricos com profunda vida de oração - foi santificado após várias lendas e milagres - e sua fama de generosidade com as crianças - terem sido a ele atribuídos. A uma delas lhe deve o mito de distribuidor de presentes. No século XI, o roubo de seus ossos promoveram sua fama por toda a Europa e por volta do século XIII a comemoração do seu dia passou para o dia 6 de Dezembro. Sua figura foi então relacionada com as crianças, para as quais ele deixava presentes, vestido de bispo e montado em um burro.


(Caracterizações do personagem Papai Noel em períodos distintos - clique para ampliar:
1. Christ as Sol Invictus - Cristo como Sol Invicto, mosaico datado do século III, na Basílica de São Pedro, Vaticano, que representa Cristo como o Deus Sol, ou Sol Invicto;
2. Ilustração de Thomas Nast, que ajudou a modernizar a imagem do Papai Noel, 1881;
3. Ilustração publicitária de Haddon Sundblom, que consolidou a figura folclórica do Papai Noel; 4. Sinterklaas, ou São Nicolau, padroeiro da Noruega, Rússia e Grécia)


Ao longo do século XIX, a imagem de Papai Noel (Santa Claus) foi representado de diferentes formas, com diferentes tamanhos, vestimentas e expressões. Pouco a pouco foi adquirindo estatura, barriga, mandíbula, barba e bigode branco, aparece no Pólo Norte, rodeado de complementos como o abeto e o visco. Com a chegada da cromolitografia (litografia em cores), em 1837, suas roupas foram coloridas com um vermelho brilhante. Em 1931, a Coca-Cola encomenda ao artista Haddon Sundblom a remodelação da figura do Papai Noel, que o torna ainda mais próximo e verossímil. Sundblom se inspira em seu amigo, Lou Prentice, um vendedor aposentado. A campanha de Natal constitui um grande sucesso e a partir de então, a imagem do Papai Noel se consolidou tal qual a conhecemos atualmente.


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Fontes:
(1) "Sino" (www.educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos)

(2) "Sino" (www.novaimprensa.com.br)

(3) CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e Cultura, Editora Global, São Paulo, 2004.

Série (En)cantando o Brasil (Florentina de Jesus - Tiririca)


"Florentina, Florentina / Florentina de Jesus / Não sei se tu me amas / Pra que tu me seduz...". Os conhecidos versos de "Florentina", de Tiririca, talvez tenham alguma referência histórica, que remonta ao período da Idade Média. É provável que a reputação das mulheres florentinas tenha se mantido viva no inconsciente nordestino através da Literatura de Cordel, trazido para o Brasil durante o período da colonização, tornando-se tema da jocosa música do humorista cearense.

(Clique abaixo para ouvir a música "Florentina", do humorista cearense Tiririca).





Durante o Medievo, a Itália e seus tecidos se destacavam dos demais países da Europa. O comércio com o Oriente trazia todo tipo de novidades, texturas e cores para os países europeus. "Ligada por estrada à França, onde tinha importantes mercados, Florença não dispunha de porto de mar e sua prosperidade de deveu mais às suas indústrias que ao comércio. Os seus mercadores e fabricantes de tecidos, bem como outros membros de corporações, tomaram o controle do governo a partir de 1282 e preservaram a sua constituição 'republicana' mesmo depois de o verdadeiro poder ter passado para as mãos de uma oligarquia, e posteriormente, para as da família Médici (1434)." (1)


(Trajes usados pela sociedade italiana durante o século XI - clique para ampliar.
Fonte: "The Costumes of All Nations", de Albert Kretschmer e
Carl Rohrbach. Sotheran, 1882 - Fonte: Period Paper)


Com a invenção do tear horizontal e da roca de fiar em 1290, houve um aumento da qualidade dos tecidos que eram confeccionados aumentando a produção cerca de dez vezes. Uma das mais interessantes referências visuais que registra o progresso técnico da Idade Média é o Codex Manesse, um manuscrito escrito e pintado entre 1305 e 1340 em Zurique por Johannes Hadlaub. Reunindo inúmeras canções de amor medievais, o Codex Manesse foi dedicado ao rei Venceslau II. (Clique aqui e leia mais sobre o Codex Manesse).


(Codex Manesse, manuscrito alemão da Idade Média - clique para ampliar - 


Desde o início do século XIV havia uma grande preocupação em dar forma à porção central do corpo. (Neste período, homens e mulheres usavam faixas apertadas em volta do corpo como forma de delineá-lo). As roupas medievais eram compostas por várias peças sobrepostas e de diferentes materiais, de acordo com a finalidade que possuíam. Como roupa interior, as mulheres usavam faixas de linho, não tingidas, sobre os seios. (Uma peça comum do período medieval é o espartilho, também conhecido como corset. Representada tipicamente como parte do traje da taberneira medieval, o seu uso foi relatado já no século XII, como roupa interior feminina. O seu uso externo está associado à cortesã do século XV e, a partir do século XVI, pelas senhoras da nobreza). R. W. Lewis em "Dante - Breve Biografia" (Objetiva, 2002), cita o cardeal Latino Malabranca, o erudito e talentoso sobrinho do papa Nicolau III, autor do hino Dies Iræ ("Dia da Ira") como um "severo moralista que criticou as mulheres florentinas por suas roupas extravagantes." 


(Tapeçaria de Bayeux - clique para ampliar. Confeccionada em bordado no século XII, a obra foi feita na Inglaterra para celebrar os eventos da Batalha de Hastings. Conta-se que o tapete tenha sido bordado pela Rainha Matilde de Flandres e suas aias)


Durante a primeira metade do século IX (mais precisamente dentre o ano 1000 a 1300 d.C.), os bordados europeus eram de grande relevância na ornamentação das vestimentas. (A importância do bordado como uma técnica decorativa foi assegurada pela raridade e alto custo das sedas). A grande maioria das vestimentas européias eram confeccionadas em lã e linho e tornaram-se símbolos de grande poder sendo ornamentadas com pedrarias, peles e botões. A é de origem mesopotâmica. A região foi pioneira na domesticação de carneiros e ovelhas, essenciais para as tramas das lãs. Já o linho é um dos tecidos considerados mais nobres na história da moda, sendo difundido pela Europa pelos comerciantes fenícios, que o levaram para a Irlanda, a Inglaterra e Bretanha. Entretanto foram os romanos que iniciaram o cultivo no norte europeu.


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Fonte:
(1) MATTHEW, Donald. As grandes civilizações do passado - Europa Medieval. Folio, Barcelona, 2006.

Literatura de Cordel

A Literatura de Cordel nasceu no século XVI, durante o período Renascentista, com a popularização dos relatos orais recitados por jograis e menestréis ambulantes. Sua origem remonta ao Trovadorismo galego-português, que teve grande relevância como construção identitária da nação portuguesa. (A origem do termo cordel se deve a forma como tradicionalmente os folhetos de qualidade rústica eram expostos à venda em Portugal, geralmente pendurados em cordas e barbantes).


(Literaturas de Cordel - Fonte: Internet)


As cantigas do Trovadorismo (a primeira escola galego-portuguesa) podem ser divididas em: Cancioneiro da Ajuda (com 310 cantigas, quase todas de amor. Esse é o mais velho cancioneiro, reunido no reinado do quinto rei de Portugal, Dom Afonso III), Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (com 1.205 cantigas de variados autores, mas todas com as quatro modalidades: amor, amigo, escárnio e maldizer, incluindo 138 cantigas de Dom Diniz, considerado o Rei-Trovador) e Cancioneiro da Vaticana (Com 1.647 cantigas de todas as modalidades).


(Arte figurativa de Jograis da Idade Média - Fonte: Internet)


De grande relevância social e artística, a hierarquia dos poetas-músicos medievais constituía-se respectivamente de Trovadores, Jograis, Segréis e Menestréis:

Trovadores: Poetas nobres, criadores cultos de cantigas e textos;
- Jogral: Poetas humildes (também eram compositores de cantigas);
- Segrel: Estabelecia uma classe intermediária entre o trovador e o jogral. O segrel existiu somente na escola galego-portuguesa. Eram da pequena nobreza, que reproduzia suas próprias composições;
- Menestrel: Termo dado aos músicos da Corte a partir do século XIV, quando o nome jogral passou a ser desagradavelmente usado para chamar os bobos.

Sobre a profissão jogralesca António José Saraiva, em "História da Cultura em Portugal" nos diz que "(...) como o saltimbanco de hoje, ela animava as folgas da plebe, mas também era elemento, e até ornamento indispensável, das festas dos palácios. Num caso ou noutro, porém, a jograria era uma profissão própria de vilões e o jogral, quer nas romarias populares, quer nos palácios era, pela sua origem, um homem do povo. A transformação dos costumes trazida pelo desenvolvimento comercial da Europa desde o século XII, a prosperidade pacífica em que entravam certas regiões, fizeram aparecer ao lado do jogral o trovador, cultor das musas, que não se envergonhava de viajar para levar os seus versos através dos castelos. (...) O jogral, vilão, recebia remuneração pelo seu trabalho, do qual vivia; o trovador, nobre ou príncipe, exercitava a poesia e a música por puro desporto ou desenfado. Havia outras diferenças: o trovador compunha as composições que o jogral se limitaria a executar. Mas esta distinção não é essencial, porque vários jograis são também autores, e muitos trovadores são também executantes. No essencial, o jogral é um profissional que não tem outras fontes de rendimento senão o seu trabalho de artista; portanto um homem que não pertence à classe nobre." (1)

Desde o início da impressão dos livretos em Cordel até os dias atuais a técnica utilizada é a xilogravura, que consiste em gravuras rústicas feitas a partir de entalhes em chapas de madeira. (Etimologicamente, a palavra xilogravura provém do grego. Xilo, do grego xilon: madeira; grafia, do grego grafó: escrever, gravar. A xilogravura é, portanto, um processo de impressão onde se utiliza um carimbo de madeira). Segundo o site Wikipedia, a xilogravura trata-se de "uma técnica em que se entalha na madeira, com ajuda de instrumento cortante, a figura ou forma (matriz) que se pretende imprimir. Em seguida usa-se um rolo de borracha embebecida em tinta, tocando só as partes elevadas do entalhe. O final do processo é a impressão em alto relevo em papel ou pano especial, que fica impregnado com a tinta, revelando a figura. Entre as suas variações do suporte pode-se gravar em linóleo (linoleogravura) ou qualquer outra superfície plana. Além de variações dentro da técnica, como a xilogravura de topo." (2)

Técnica bastante simples e barata (que permitia que os gravadores desenvolvessem suas próprias ferramentas de corte e entalhes na matriz para obterem resultados criativos nos desenhos), a xilogravura mais antiga que se tem conhecimento foi aplicada para ilustrar a oração budista Sutra do Diamante, editada por Wang Chieh, na China, por volta do ano 868. A chegada à Europa das gravuras japonesas a cores revolucionaram a técnica da xilogravura exercendo, por sua vez, grande influência sobre as artes do século XIX.


("Sutra do Diamante" - clique para ampliar -
Oração budista impressa em xilogravura na China, em 868)


A xilogravuras foram introduzidas na Europa por volta de 1418, vindo da China através da Espanha islâmica. Naquele período a xilo era utilizada principalmente para a impressão de cartas de baralho, ilustrações para livros (iluminuras) e também para confeccionar mementos religiosos. A Itália, Alemanha, França e Holanda foram os centros de excelência em xilogravura, onde a técnica influenciou fortemente a produção artística. Artistas como Albrecht Dürer (Apocalipse, 1499), Mestre das CartasLucas CranachAlbrecht AltdorferThomas Bewick e Hans Burgkmair foram alguns dos expoentes europeus que utilizaram a xilogravura como técnica de impressão de suas obras. 


("Adão e Eva no Paraíso", xilogravura de Lucas Cranach, 1509 -


Já a partir do século XVI, a xilogravura passou a competir com a impressão de gravura em metal, que permitia obter traços mais delicados através de linhas menos espessas. Após a Revolução Industrial ocorrida no século XIX a impressão em xilogravura perdeu sua função utilitária, revelando-se desvantajosa em relação a impressão em clichê de metal - principalmente pelos avanços tecnológicos na área da fotografia, que permitiam uma maior longevidade do metal em relação à madeira quando do uso de substâncias químicas em contato com a matriz. Condenando ao desemprego os xilógrafos de reprodução, a técnica de xilogravura ressurgiu no campo artístico sendo utilizada como uma nova expressão plástica por artistas como Edvard Munch, Paul Gauguin, Matisse e o grupo alemão expressionista Die Brücke. Os gravuristas brasileiros Lasar Segall e Osvaldo Goeldi foram os pilares iniciais que desenvolveram a xilogravura artística. 

A chegada da Literatura de Cordel ao Brasil se deu com a colonização portuguesa. Por volta de 1750, apareceram os primeiros poetas populares brasileiros que narravam sagas em versos - analfabetos em sua grande maioria (as histórias eram decoradas e recitadas nas feiras ou nas praças, às vezes, acompanhadas por música de violas). Segundo Marilena Chauí, "fala-­se de cultura popular enquanto cultura dominada, invadida, aniquilada pela cultura de massa e pela indústria cultural, envolvida pelos valores dominantes, pauperizada intelectualmente pelas restrições impostas pela elite, manipulada pela folclorização nacionalista, demagógica e explorada, em suma, impotente face à dominação e arrastada pela potência destrutiva da alienação." Entretanto é importante lembrar que na Literatura Cordelista há uma grande quantidade de personagens estradeiros, trapaceiros e anti­-heróis, que sobrevivem através de artimanhas como alternativa para escapar de um sistema opressor.

"Enfim, foram esses cantadores do improviso, itinerantes, os precursores da literatura de cordel escrita. E verdadeiros repórteres, pois eram eles quem divulgavam as notícias nos lugares mais longínquos, especialmente, os acontecimentos históricos do Brasil, narrados em verso. O fenômeno só despertou o interesse dos estudiosos letrados em fins do século 19, começo do século 20. O poeta paraibano Leandro Gomes de Barros é considerado por esses pesquisadores, o primeiro a imprimir e vender seus versos, por volta de 1890." (3)


("Os Dez réis do Governo", folheto raro do poeta Leandro Gomes de Barros publicado em 1907.
O texto aborda a cobrança abusiva dos impostos durante a República Velha - Fonte: Internet)


Na rica produção Cordelista nordestina há uma grande variedade de temas, que refletem a vivência popular, desde problemas atuais até a conservação de histórias da atmosfera ibérica). "Ocorre ainda a presença da jocosidade, em textos abertamente humorísticos ou em textos irônicos, ou ainda na exploração de boatos (que o autor popular logo capta e utiliza para sua criatividade). Alguns títulos ajudam a compreensão desse grande número de folhetos, cá e lá: Piadas de Bocage, de António Teodoro dos Santos; O grande debate de Camões com um sábio, de Arlindo Pinto de Souza; As perguntas do rei e as respostas de Camões, de Severino Gonçalves de Oliveira; Disparates em verso, de Armando Barata e Artur do Intendente; A padeira de Aljubarrota, de J. A. d’Oliveira Mascarenhas (estes dois de Portugal). Mas a lista seria interminável: O homem que casou com a jumenta, de Olegário Fernandes da Silva; A mulher que engoliu um par de tamancos com ciúme do marido, de José Costa Leite; História do macaco que quis se virar gente, de Minelvino Francisco Silva; O rapaz que casou com uma porca no estado de Alagoas, de José Soares; O rapaz que virou burro em Minas Gerais, de Rodolfo Coelho Cavalcante; História da razão dos cachorros cherarem o feofó uns dos outros, de Abraão Batista; e também História de um galego que trocou a mulher por uma vaca (sem assinatura, editado em Lisboa)." (4)


("Uma noite de Lua de Mel" e "O Periquito de Chiquinha e a Rolinha de Jacinto", 
obras Cordelistas do poeta José Costa Leite - xilogravura do autor - Fonte: Internet)


Um bom exemplo do sincretismo cultural presente na essência da Literatura de Cordel brasileira é a música "Pavão Mysteriozo", do cantor e compositor cearense Ednardo, que tem como referência a obra Cordelista "O Romance do Pavão Misterioso", escrita ao final dos anos 1920 por José Camelo de Melo Rezende. Esta obra, por sua vez, teve como influência o conto popular do Oriente Médio "Mil e Uma Noites". A música "Pavão Mysteriozo" (vídeo abaixo) foi trilha sonora da novela "Saramandaia", de Dias Gomes, veiculada pela Rede Globo em 1976. Segundo a revista "Discutindo Literatura" (edição 19, Editora Escala Educacional, 2008), "a editora de cordéis Luzeiro, de São Paulo, que publica O Pavão Misterioso desde 1970, vendeu mais de 50 mil exemplares dessa obra, no ano em que Saramandaia foi ao ar."




Mais de uma década após o sucesso de "Saramandaia", em 7 de Setembro de 1988 foi fundada a ABLC (Academia Brasileira de Literatura de Cordel), no Rio de Janeiro. O objetivo era reunir os expoentes deste gênero no Brasil. Hoje, a sede da ABLC, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro, já conta com mais de 13 mil títulos. (O poeta Gonçalo Ferreira da Silva, seu atual presidente, capitaneou a fundação no Rio que, com apoio da Federação das Academias de Letras no Brasil, culminou com a aquisição de sede própria). Dentre os xilógrafos brasileiros pode-se destacar J. Borges, Gilvan Samico, José Lourenço, Abraão Batista e José Costa Leite.



("Mudança de Sertanejo", xilogravura de J. Borges - clique para ampliar)

("Versos que enfeitiçaram o gringo", extraída do Caderno C do Jornal do Commercio
e publicada em 26 de abril de 2011, em Pernambuco - PE - Clique aqui para ampliar)


Em "História do Brasil em Cordel", publicado pela Edusp em 1998, Mark Curran reuniu mais de 300 folhetos que narram em Cordel a história de nosso país. Eles são acompanhados de uma reflexão sobre a temática, sua estrutura formal, seus autores e sua história concebendo a Literatura de Cordel do Brasil como o reflexo dos anseios e sonhos de nosso povo. Em 2010, Curran lançou um novo livro, "Retrato do Brasil em Cordel", publicado pela Editora Ateliê. Nesta obra Curran reconta a "estória" do cordel, "e acredita que o cordel é realmente uma epopéia folclórica-popular do Brasil, o livro consta de dez capítulos ou álbuns (...) Em resumo, é a continuação do namoro sentido sempre para o Brasil."


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Fontes:
(1) SARAIVA, António José. História da Cultura em Portugal. Gradiva, Lisboa, 2000.

(2) "Xilogravura" (www.wikipedia.org/Xilogravura)


(3) "Cordel" (www.educacao.uol.com.br/folclore/)

(4) "Literatura de Cordel" (www.bahai.org.br/cordel/viva.html)

Doc - Alquimistas do Som

O doc "Alquimistas do Som" é um documentário que traça um panorama das experimentações na Música Popular Brasileira. Dirigido por Renato Levi em 2003, "Alquimistas do Som" conta com depoimentos exclusivos de artistas brasileiros (Tom Zé, Lenine, Arnaldo Antunes, Egberto Gismonti, Arrigo Barnabé, e de letristas como Carlos Rennó e do maestro Julio Medaglia), e suas incursões no experimentalismo musical (suas origens e motivações) construindo a linha evolutiva da MPB. Os depoimentos são ilustrados com musicais do produtor Fernando Faro (criador do programa Ensaio, da TV Cultura), além de outras imagens do arquivo da emissora. 



"Nós todos (compositores aqui de São Paulo e do Brasil) somos mulheres com peitos enormes para a periferia mamar. Somos alimento! Esse alimento chamado 'informação', sem o qual o povo tem a morte mais desgraçada. Antes a morte da fome da comida do que a morte da falta de informação." (Tom Zé) 

Série (En)cantando o Brasil (Perisséia - Tom Zé)

Com o objetivo de ampliar a visão acerca da cultura brasileira e das influências culturais externas que ajudaram a construir o identitário nacional, a série (En)cantando o Brasil procura analisar nosso rico acervo musical. Através da pesquisa das referências presentes nas obras dos artistas brasileiros será possível ampliar nossa compreensão cultural à medida em que as composições revelam nossas influências mitológicas e folclóricas, socioculturais e religiosas ratificando nossa pluralidade cultural.

A letra escolhida para abrir esta série é "Perisséia", de Tom Zé e Capinan. A interpretação mais clara do neologismo presente no título da faixa 12 do álbum "Jogos de Armar" (2000) margeia algo como a Odisséia de Peri. Primogênito brasileiro, o habitante das matas e da literatura transpõe-se sobre as páginas de "O Guarani", de José de Alencar, para sobreviver nas regiões periféricas do Brasil. Podemos notar que a letra "Perisséia" traça um esboço poético acerca do contexto sociocultural brasileiro construído a partir do contato entre índios e o colonizador europeu. A presença de vocábulos estrangeiros e indígenas na letra de "Perisséia" traduzem-se como elementos formadores de um multifacetado panorama etnocultural.


(Capa do álbum "Jogos de Armar", de Tom Zé, 2000 - Fonte: Internet)




Perisséia
(Composição: Tom Zé e Capinan)

"Sabe com quem tá falando?
Eu sou amigo do rei...
Que importa o nome que eu tenho
Que importa aquilo que eu sou
Se eu tenho um sonho impossível
Pra mim o tempo parou
Meu nom, meu nome é Peri
Meu nom, meu nome é Zumbi


Meu nom, meu nome é Galdino
Meu nome é Brasil
Um gigante-menino
Um navio sem destino
No ano dois mil

Coro

Se eu pudesse atrasaria
Este relógio dois mil
Pra rezar na primeira missa
Pelo futuro do Brasil

Acalanto

Inhem inhem inhem
Inhem inhem inhem
Nhem... nhem nhem
Nhem nhem

Coro

Iê peri iê peri iê camará
Iê peri camará
Peri brasil
Peri

E eu, o que sou?
E eu, o que sei?
Macunaíma, sou eu?
Tiradentes, sou eu?
Sou eu um poeta
Sou eu um pião?

Quantos anos eu tenho
Quantos anos terei?
Eu que vivo sem, jamais saberei
Ó meu pai, não me abandone,
Minha mãe, como é meu nome
Este mundo tem lei?
Este mundo tem rei?

Coro

Se eu pudesse atrasaria..."


A letra "Perisséia" confunde-se com a própria história do Brasil. Repleta de referências históricas, podemos interpretar que esta Odisséia de Peri (composta por Tom Zé e Capinan) vai se construindo do mesmo modo como se deu o contato cultural entre índios e europeus estabelecido no princípio da colonização. Relação historicamente marcada pela imposição cultural do europeu sobre os povos indígenas, tem-se em "Perisséia" um Brasil dual: de um lado rei e navios e, do outro, sonhos e Peris. A citação de cinco importantes ícones da história (índio Peri, da Trilogia Indianista de José de Alencar; Zumbi dos Palmares, o escravo negro líder do Quilombo dos Palmares; o índio Galdino, líder indígena queimado vivo enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília; o índio Macunaíma, da obra do modernista Mário de Andrade e Tiradentes, reconhecido como mártir de Inconfidência Mineira) remontam a diferentes momentos históricos do Brasil e constroem, assim, nosso mosaico sociocultural.

O primeiro trecho da composição são indagações em tom empolado: "Sabe com quem tá falando? / Eu sou amigo do rei... / Que importa o nome que eu tenho? / Que importa aquilo que eu sou?". (Percebe-se na introdução de "Perisséia" uma possível referência aos versos de Manuel Bandeira: "Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei."). As perguntas inicias de "Perisséia" aludem à relação entre as castas sociais brasileiras e ao modo como a elite burguesa e a plebe compreendem suas diferenças, não apenas econômicas como também étnicas. "A apologia do poder enfatizava as propriedades inatas do soberano com seu caráter paternal para com seu povo e sua procedência divina e sua capacidade divina de conceder graças. Porém a nobreza migrada, composta da mais alta nobreza de sangue e espada como os Caparicas, Lavradios, Pombais, Belas, Redondos e a nobreza de toga, mais recente e influente nos cargos da administração do reino, como os Anadia, Vagos, Angeja, Belmonte ou Cadaval, empenhou-se como pode para alargar as distâncias que as separavam das elites nativas criando uma tensão sócio cultural que marca a estada da corte no Brasil." (1)


(As damas ricas da Corte Portuguesa eram carregadas por escravos negros.
Tanto a vestimenta da Corte quanto da classe escrava eram inspiradas
pela moda francesa - Fonte: Internet)


A influência cultural européia também é explicitada nos versos seguintes ("Meu nom, meu nome é Peri / Meu nom, meu nome é Zumbi"). Ao substituir o vocábulo "nome" para "nom" (sobrenome, em francês) percebe-se uma nítida referência à cultura francesa, que já exercia certo domínio na Corte Portuguesa na Europa. Incorporada à Família Real Portuguesa durante a colonização do Brasil, esta também tornou-se influente por aqui sob diversos aspectos, como na arte, arquitetura e na moda. "As famílias mais abastadas, cerca de 1/8 da população, mostraram-se entusiasmadas e privilegiadas em poder conviver na mesma cidade que abrigava a monarquia portuguesa. Os modelos trazidos e oferecidos pela realeza criaram novos valores culturais e ideológicos para elite carioca. Com a família real portuguesa, o Rio de Janeiro passou a ser palco de grandes e luxuosas festas. A moda parisiense foi acompanhada de perto e incorporada pelas famílias ricas da cidade – que desconsideravam o infortúnio inerente à disparidade climática." (2) Isso porque, apesar de beleza e suntuosidade, os trajes franceses eram incompatíveis com o clima tropical do Rio de Janeiro. Entretanto, isso era um mero detalhe para quem estava disposto a estabelecer uma nova identidade visual, travestindo-se do imaginário de glamour europeu.


(Anúncio de moda de 1910 - Coleção masculina importada da França pela loja
“La Ville de Paris", que ficava no número 45 da Rua Direita - Fonte: Estadão)


"Rei Brasil 500 anos", a peça teatral de Capinan (poeta baiano e parceiro de Tom Zé em "Perisséia") foi realizada em 2000. Sua história é utilizada como referência para os versos de "Perisséia": "...um gigante-menino / um navio sem destino / no ano dois mil" e "Se eu pudesse atrasaria / Este relógio dois mil / Pra rezar na primeira missa / Pelo futuro do Brasil." Criada em parceria com Fernando Cerqueira e Paulo Dourado, a ideia inicial de apresentação de "Rei Brasil 500 anos" teria sido uma missa. Porém, a convite da Universidade Federal de Música da Bahia (UFBA), a concepção evoluiu para um espetáculo popular multimídia, com a base em um libreto (feito pelo próprio Capinan), com composições de Cerqueira e encenação de Dourado.

"Rei Brazil 500 anos" é uma crítica as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. A história - uma ópera da odisséia tropical brasileira - se passa em um desfile de escola de samba narrando a viagem histórica de Pedro Álvares Cabral (desde o Tejo, em Lisboa, até o Monte Pascoal) e culminando na descoberta do Brasil, em abril de 1500. "Um menino de rua, Brasil, deseja participar do desfile, representando Peri, para fazer par romântico da ópera Il Guarani com Ceci. O garoto rouba o ponteiro do relógio 2000, que marca a contagem regressiva das comemorações do evento histórico, provocando uma viagem descontínua no tempo para diversos momentos da história brasileira e do mundo. Brasil, no entanto, encontra o passado e o deseja transformar, rezando e pedindo pelo futuro do País na Primeira Missa, celebrada na Coroa Vermelha: 'Se eu pudesse atrasaria / Este relógio dois mil / Pra rezar na primeira missa / Pelo futuro do Brasil.'" (3)


("Operários", de Tarsila do Amaral, 1931 - Fonte: Internet)


Sobre a colcha de retalhos cultural que forma o Brasil, Darcy Ribeiro em "O Povo Brasileiro" nos diz que "é bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si próprio mais pela percepção de estranheza que provocava no lusitano, do que por sua identificação como membro das comunidades socioculturais novas, porventura também porque desejoso de remarcar sua diferença e superioridade frente aos indígenas. (...) talvez até se desgostasse da ideia de não ser europeu, por considerar, ele também, como subalterno tudo que era nativo ou negro. Mesmo o filho de pais brancos nascidos no Brasil, mazombo, ocupando em sua própria sociedade uma posição inferior com respeito aos que vinham da metrópole, se vexava muito da sua condição de filho da terra, recusando o tratamento de nativo e discriminando o brasilíndio mameluco ao considerá-lo como índio." (4) Os versos seguintes ("E eu, o que sou? / E eu, o que sei? / Macunaíma, sou eu? / Tiradentes, sou eu?/ Sou eu um poeta / Sou eu um pião?") refletem as incertezas étnicas, sociais e econômicas presentes permanentemente nos filhos descendentes da matriz européia. Brasileiros que somos, frutos de uma mistura racial secular nos tornamos inclassificáveis. O Brasil é e existe apenas na pluralidade.


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Fontes:
(1) "Colonização Portuguesa" (www.portalsaofrancisco.com.br)

(2) "Lei Estética" ( www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=939)

(3) "Capinan" (www.revista.agulha.nom.br/capinan.html)

(4) RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. Ed Companhia das Letras, São Paulo, 1995.

As comemorações de 12 de Outubro

Descobrimento da América

Em meados do século X, Eric, o Ruivo, teria sido expulso da Islândia após um assassinato (uma disputa com um vizinho em torno de gado). "O julgamento de Eric ocorreu numa assembléia-geral chamada Althing, na qual representantes de toda a população se reuniam anualmente para discutir assuntos da comunidade e disputas legais. A instituição existe até hoje na Islândia e, mais de mil anos depois, é atualmente considerada o mais antigo parlamento em vigor em todo o mundo." (1)


(Cristóvão Colombo na América - Arte: autor desconhecido - Fonte: Internet)


O ensino escolar nos apresenta Cristóvão Colombo - o intrépido navegador genovês - e Américo Vespúcio - o mercador florentino - como os possíveis descobridores da América. Entretanto, a história já nos provou que este título se deve, na realidade, a um viking. O "bárbaro" já teria explorado as terras da América muito antes das conhecidas expedições marítimas comandadas por Colombo.


(O viking Leif Erickson, filho de Eric, o Ruivo, em terras americanas
Arte: Monro S. Orr, 1908 - Fonte: Wikipedia)


Mandado em exílio forçado à Groelândia (ou Greeland, "terra verde"), o viking construiu uma fazenda e constituiu sua família. Eric e sua mulher (a cristã Thjodhild) tiveram três filhos - Leif, Thorvald e Thorstein - e uma filha, Freydis. Após alguns anos, Leif, empolgado com a possibilidade da existência de novas terras ainda não descobertas, resolveu aventurar-se pelos mares gelados do norte.

As embarcações mercantes e destinadas ao transporte (knorrs) eram maiores e mais largas que as embarcações destinadas à guerra (drakkars). Nessas últimas, "cada homem ia sentado em cima de um pacote que continha suas armas e armadura. Este pacote servia-lhe de banco, cada um também tinha um remo, e o último homem era o encarregado do leme, que dava direção ao navio. Quando o navio estava para chegar ao local do ataque, os homens desfaziam seus pacotes e se preparavam para o ataque. Cada drakkar transportava em média quarenta guerreiros. (...) Foi graças as drakkars e as knorrs que os vikings conseguiram colonizaram grande parte das ilhas Britânicas, assaltar a Europa e descobrir a Islândia, a Groenlândia e a América." (2)




(Navio mercante nórdico - clique para ampliar -
Ilustração: autor desconhecido - Fonte: Klepsidra)


("A Descoberta da América Nórdica", de A. M Reeves, 1906 - Fonte: Internet)


Por volta do ano 1000, Leif Erickson teria estabelecido um colonato na costa norte da Terra Nova (atual Canadá). O contato dos nórdicos com os habitantes locais não teria sido tão harmonioso, em virtude da cultura naturalmente agressiva destes exploradores. Apesar do pequeno período que Leif permaneceu na região (aproximadamente uma década), isto representou o primeiro contato europeu com a América, cerca de 500 anos antes das viagens de Cristóvão Colombo.


(Povoado viking de L'Anse aux Meadows - Terra Nova, Canadá - descoberto em 1960
e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO - Foto: Dylan Kereluk - Fonte: Wikipedia)


Em 1965, um mapa mundi (abaixo) foi descoberto por pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, colocando em xeque os títulos de Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio como os possíveis descobridores da América. "O chamado mapa de Vinland, escrito em um antigo idioma nórdico, mostra uma representação da Europa, da Ásia e da África e, do outro lado do Oceano Atlântico, um lugar chamado Vinland. Essa região corresponderia ao local explorado no começo do século 11 pelo viking Leif Eriksson." (3). Em 2002, um exame realizado com carbono 14 indicou que os vestígios seriam mesmo do ano 1000, o que coincide com os relatos vikings sobre a viagem de Eriksson à América. 


(Vinland map, o controverso mapa mundi nórdico, descoberto em 1965 - Fonte: Internet)



(Moeda comemorativa de 500 Cruzeiros - Descobrimento da América -


É provável que o momento histórico da vinda de Leif Erickson à América tenha sido ignorada ao longo dos séculos em decorrência do fortalecimento da religião católica em todo o mundo; sua vinda teria permanecido apenas como um mito. Por volta do século X, o comércio marítimo europeu ainda estava adormecido - isso logo após a entrada dos árabes na Península Ibérica. Foi justamente nesse contexto em que os vikings existiram, impondo sua força sobre árabes, francos, germânicos e principalmente ingleses.



Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, ou apenas Nossa Senhora Aparecida, é o título católico de Maria, considerada a mãe de Jesus de Nazaré. Desde a declaração como padroeira do Brasil em 1928 pelo Papa Pio XI, a comemoração de Nossa Senhora Aparecida era em 8 de Dezembro. A partir de 1954, a celebração à Santa foi alterada pelo governo brasileiro para o dia 12 de Outubro.


(Para os católicos, Nossa Senhora Aparecida é considerada a
padroeira do Brasil - Fonte: Wikipedia)


Segundo a mitologia cristã brasileira, em outubro de 1717, os pescadores Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves ficaram encarregados de garantir o almoço do governador de São Paulo e Minas Gerais, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal (conhecido como Conde de Assumar) e de sua comitiva, que visitavam a Vila de Guaratinguetá, no vale do Paraíba, em São Paulo.

Sem sucesso na pescaria, após várias horas no rio Paraíba, os pescadores curiosamente teriam retirado das águas a imagem de uma santa sem cabeça que, ao ter sido lançada a rede novamente, retornaria com a cabeça da imagem. Domingos, Felipe e João teriam percebido que a santa em questão era Nossa Senhora da Conceição. A partir de então, a pescaria teria lhes rendido muitos peixes, fazendo com que os pescadores atribuíssem à imagem o sucesso milagroso da farta pescaria. A partir de então, Felipe Pedroso teria permanecido com a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida até 1732. A devoção à Santa crescia à medida que a fama dos milagres realizados era espalhada pela região.


(Capela no alto do Morro dos Coqueiros, aberta ao público apenas em 1945 - Fonte: Internet)


A família de Pedroso teria construído um oratório, que, logo constatou-se, era pequeno para abrigar os fiéis que chegavam em número cada vez maior. Em meados de 1734, o vigário de Guaratinguetá mandou construir uma capela no alto do Morro dos Coqueiros para abrigar a imagem da santa; foi aberta ao público apenas em 1945. A imagem passou a ser chamada de Aparecida e deu origem à cidade de mesmo nome.


(Basílica de Nossa Senhora Aparecida, na cidade que leva seu nome - Fonte: Internet)


Há duas fontes sobre o achado da imagem, que se encontram no Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida (anterior ao ano de 1743) e no Arquivo Romano da Companhia de Jesus (ARSI), em Roma, Itália. A história foi primeiramente registrada pelos Padres José Alves Vilela (1743) e João de Morais e Aguiar (1757).

A construção da atual Basílica (foto acima) foi iniciada em 1946 e assinada pelo engenheiro Benedito Calixto de Jesus. A inauguração aconteceu 21 anos depois, por ocasião da comemoração do 250º aniversário do encontro milagroso da imagem, ainda com o templo inacabado. É possível perceber alguma similaridade arquitetônica entre a Basílica de Nossa Senhora Aparecida e o Santuário Nacional da Imaculada Conceição (foto abaixo), situado em Washington D.C. Segundo o redentorista Júlio João Brustoloni, um religioso interessado na História da Igreja em Aparecida, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida seria uma "cópia adaptada" (sic) do Santuário Nacional da Imaculada Conceição. (Clique aqui e leia o artigo completo).


(Santuário de Washington D.C. - Fonte: Jornal Lince)


Nossa Senhora Aparecida compõe, também, o universo imagético da peça teatral "O Auto da Compadecida", escrita pelo romancista e poeta paraibano Ariano Suassuna. "Auto, como designado no título, é um tipo de encenação popular, corrente durante muito tempo no nordeste do Brasil, e que se propunha a um ensinamento religioso. Os autos tinham a função de levar ao público as exemplares vidas dos santos, assim como os atos que os dignificaram. O auto obedece a um modelo de composição, uma das formas teatrais e dramatúrgicas, que está muito ao gosto do povo, sua função sendo o de instrumento de catequese, didática  pelo ensinamento teológico dos evangelhos, moralizante através do exemplo cristão da vida dos santos. Encenam-se nos autos, portanto, enredos populares, e no caso brasileiro renovado pelo caudal de elementos indígenas e africanos (lapinhas, pastoris, congadas, etc) e personagens folclóricos eivados do próprio povo. O Auto aqui é da compadecida, porque fala justamente de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos brasileiros." (4)


(Projeto gráfico do longa "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna - Fonte: Internet)


Publicada originalmente em 1955, o livro alcançou sua 35ª edição em 2005. A obra "O Auto da Compadecida" pode ser compreendida como um documento sobre a sociedade brasileira, pois revela sua faceta burlesca ao retratar a figura humana (ainda que em uma condição miserável) sob a ótica cômica. O livro traz o texto de apresentação de autoria do escritor e compositor Bráulio Tavares e ilustrações do cenógrafo e figurinista Romero de Andrade Lima.

Em 2000, dirigida por Guel Arraes, a obra "O Auto da Compadecida" ganhou sua adaptação para o cinema, com a inclusão de elementos narrativos presentes nas peças teatrais "O Santo e a Porca" e "Torturas de um coração", ambas de autoria de Suassuna.



Dia das Crianças

O Dia das Crianças é comemorado em diversos países, porém em datas diferentes. Já o dia Universal da Criança é comemorado em 20 de Novembro e foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em referência ao dia no qual foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959.

As datas da celebração à criança variam de acordo com cultura local: em Moçambique, por exemplo, a comemoração ocorre no dia 1º de Junho para marcar o dia em que as forças Nazistas, em 1943, assassinaram cruelmente muitas crianças pequenas. Já na Nova Zelândia, aproveitando esse dia para passar mais tempo com a família e sem fins comerciais, a comemoração acontece no primeiro domingo de março.


(Encarte de brinquedo Estrela, de 1960 - Fonte: Girafamania)


No Brasil, o Dia da Criança foi criado em 1924 pelo deputado federal Galdino do Valle Filho. Por essa ocasião, o deputado elaborou um Projeto de Lei e o arremeteu à Câmara. O dia 12 de Outubro foi então oficializado pelo presidente Arthur Bernardes como o Dia das Crianças. Bernardes havia sido eleito por São Paulo e Minas Gerais, porém houve uma grande insatisfação das demais regiões brasileiras, que começavam a se cansar da política oligárquica que reinava no país. Assim, torna-se compreensível entender o motivo pelo  qual a data em comemoração às crianças tenha sido instituída durante a presidência da Arthur Bernardes, como uma tentativa de popularização de seu governo.

Entretanto, a data passou  a ser efetivamente comemorada somente em 1960, através de uma promoção da Fábrica de Brinquedos Estrela, em parceria com a empresa de cosméticos e produtos farmacêuticos Johnson & Johnson. Para aumentar as vendas, a empresa lançou a "Semana do Bebê Robusto". A estratégia havia dado certo; a partir do ano seguinte passou-se a comemorar a "Semana da Criança". Assim, com o aumento das vendas de brinquedos em Outubro, todo o comércio começou a divulgar a data.


(Catálogo nº 33 dos brinquedos Estrela - 1969 a 1970 - Fonte: Internet)


O Museu dos Brinquedos, em Belo Horizonte (MG), foi criado em 1986 por Luiza de Azevedo Meyer. O Museu conta com um acervo de aproximadamente 5.000 peças (nacionais e internacionais), dentre elas: bonecas, carrinhos, máquinas de costura, ferros de passar roupa, trenzinhos, velocípedes, pelúcias, cavalos de pau, fantoches, robôs, brinquedos musicais, livros infanto-juvenis e lanternas mágicas.


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Fontes:
(1) "Leif Erickson" (http://guiadoestudante.abril.com.br)

(2) "Viking" (www.klepsidra.net)


(3) "Viking" (http://guiadoestudante.abril.com.br)

(4) "O Auto da Compadecida" (http://www.kinodigital.ufba.br)