Literatura de Cordel

A Literatura de Cordel nasceu no século XVI, durante o período Renascentista, com a popularização dos relatos orais recitados por jograis e menestréis ambulantes. Sua origem remonta ao Trovadorismo galego-português, que teve grande relevância como construção identitária da nação portuguesa. (A origem do termo cordel se deve a forma como tradicionalmente os folhetos de qualidade rústica eram expostos à venda em Portugal, geralmente pendurados em cordas e barbantes).


(Literaturas de Cordel - Fonte: Internet)


As cantigas do Trovadorismo (a primeira escola galego-portuguesa) podem ser divididas em: Cancioneiro da Ajuda (com 310 cantigas, quase todas de amor. Esse é o mais velho cancioneiro, reunido no reinado do quinto rei de Portugal, Dom Afonso III), Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (com 1.205 cantigas de variados autores, mas todas com as quatro modalidades: amor, amigo, escárnio e maldizer, incluindo 138 cantigas de Dom Diniz, considerado o Rei-Trovador) e Cancioneiro da Vaticana (Com 1.647 cantigas de todas as modalidades).


(Arte figurativa de Jograis da Idade Média - Fonte: Internet)


De grande relevância social e artística, a hierarquia dos poetas-músicos medievais constituía-se respectivamente de Trovadores, Jograis, Segréis e Menestréis:

Trovadores: Poetas nobres, criadores cultos de cantigas e textos;
- Jogral: Poetas humildes (também eram compositores de cantigas);
- Segrel: Estabelecia uma classe intermediária entre o trovador e o jogral. O segrel existiu somente na escola galego-portuguesa. Eram da pequena nobreza, que reproduzia suas próprias composições;
- Menestrel: Termo dado aos músicos da Corte a partir do século XIV, quando o nome jogral passou a ser desagradavelmente usado para chamar os bobos.

Sobre a profissão jogralesca António José Saraiva, em "História da Cultura em Portugal" nos diz que "(...) como o saltimbanco de hoje, ela animava as folgas da plebe, mas também era elemento, e até ornamento indispensável, das festas dos palácios. Num caso ou noutro, porém, a jograria era uma profissão própria de vilões e o jogral, quer nas romarias populares, quer nos palácios era, pela sua origem, um homem do povo. A transformação dos costumes trazida pelo desenvolvimento comercial da Europa desde o século XII, a prosperidade pacífica em que entravam certas regiões, fizeram aparecer ao lado do jogral o trovador, cultor das musas, que não se envergonhava de viajar para levar os seus versos através dos castelos. (...) O jogral, vilão, recebia remuneração pelo seu trabalho, do qual vivia; o trovador, nobre ou príncipe, exercitava a poesia e a música por puro desporto ou desenfado. Havia outras diferenças: o trovador compunha as composições que o jogral se limitaria a executar. Mas esta distinção não é essencial, porque vários jograis são também autores, e muitos trovadores são também executantes. No essencial, o jogral é um profissional que não tem outras fontes de rendimento senão o seu trabalho de artista; portanto um homem que não pertence à classe nobre." (1)

Desde o início da impressão dos livretos em Cordel até os dias atuais a técnica utilizada é a xilogravura, que consiste em gravuras rústicas feitas a partir de entalhes em chapas de madeira. (Etimologicamente, a palavra xilogravura provém do grego. Xilo, do grego xilon: madeira; grafia, do grego grafó: escrever, gravar. A xilogravura é, portanto, um processo de impressão onde se utiliza um carimbo de madeira). Segundo o site Wikipedia, a xilogravura trata-se de "uma técnica em que se entalha na madeira, com ajuda de instrumento cortante, a figura ou forma (matriz) que se pretende imprimir. Em seguida usa-se um rolo de borracha embebecida em tinta, tocando só as partes elevadas do entalhe. O final do processo é a impressão em alto relevo em papel ou pano especial, que fica impregnado com a tinta, revelando a figura. Entre as suas variações do suporte pode-se gravar em linóleo (linoleogravura) ou qualquer outra superfície plana. Além de variações dentro da técnica, como a xilogravura de topo." (2)

Técnica bastante simples e barata (que permitia que os gravadores desenvolvessem suas próprias ferramentas de corte e entalhes na matriz para obterem resultados criativos nos desenhos), a xilogravura mais antiga que se tem conhecimento foi aplicada para ilustrar a oração budista Sutra do Diamante, editada por Wang Chieh, na China, por volta do ano 868. A chegada à Europa das gravuras japonesas a cores revolucionaram a técnica da xilogravura exercendo, por sua vez, grande influência sobre as artes do século XIX.


("Sutra do Diamante" - clique para ampliar -
Oração budista impressa em xilogravura na China, em 868)


A xilogravuras foram introduzidas na Europa por volta de 1418, vindo da China através da Espanha islâmica. Naquele período a xilo era utilizada principalmente para a impressão de cartas de baralho, ilustrações para livros (iluminuras) e também para confeccionar mementos religiosos. A Itália, Alemanha, França e Holanda foram os centros de excelência em xilogravura, onde a técnica influenciou fortemente a produção artística. Artistas como Albrecht Dürer (Apocalipse, 1499), Mestre das CartasLucas CranachAlbrecht AltdorferThomas Bewick e Hans Burgkmair foram alguns dos expoentes europeus que utilizaram a xilogravura como técnica de impressão de suas obras. 


("Adão e Eva no Paraíso", xilogravura de Lucas Cranach, 1509 -


Já a partir do século XVI, a xilogravura passou a competir com a impressão de gravura em metal, que permitia obter traços mais delicados através de linhas menos espessas. Após a Revolução Industrial ocorrida no século XIX a impressão em xilogravura perdeu sua função utilitária, revelando-se desvantajosa em relação a impressão em clichê de metal - principalmente pelos avanços tecnológicos na área da fotografia, que permitiam uma maior longevidade do metal em relação à madeira quando do uso de substâncias químicas em contato com a matriz. Condenando ao desemprego os xilógrafos de reprodução, a técnica de xilogravura ressurgiu no campo artístico sendo utilizada como uma nova expressão plástica por artistas como Edvard Munch, Paul Gauguin, Matisse e o grupo alemão expressionista Die Brücke. Os gravuristas brasileiros Lasar Segall e Osvaldo Goeldi foram os pilares iniciais que desenvolveram a xilogravura artística. 

A chegada da Literatura de Cordel ao Brasil se deu com a colonização portuguesa. Por volta de 1750, apareceram os primeiros poetas populares brasileiros que narravam sagas em versos - analfabetos em sua grande maioria (as histórias eram decoradas e recitadas nas feiras ou nas praças, às vezes, acompanhadas por música de violas). Segundo Marilena Chauí, "fala-­se de cultura popular enquanto cultura dominada, invadida, aniquilada pela cultura de massa e pela indústria cultural, envolvida pelos valores dominantes, pauperizada intelectualmente pelas restrições impostas pela elite, manipulada pela folclorização nacionalista, demagógica e explorada, em suma, impotente face à dominação e arrastada pela potência destrutiva da alienação." Entretanto é importante lembrar que na Literatura Cordelista há uma grande quantidade de personagens estradeiros, trapaceiros e anti­-heróis, que sobrevivem através de artimanhas como alternativa para escapar de um sistema opressor.

"Enfim, foram esses cantadores do improviso, itinerantes, os precursores da literatura de cordel escrita. E verdadeiros repórteres, pois eram eles quem divulgavam as notícias nos lugares mais longínquos, especialmente, os acontecimentos históricos do Brasil, narrados em verso. O fenômeno só despertou o interesse dos estudiosos letrados em fins do século 19, começo do século 20. O poeta paraibano Leandro Gomes de Barros é considerado por esses pesquisadores, o primeiro a imprimir e vender seus versos, por volta de 1890." (3)


("Os Dez réis do Governo", folheto raro do poeta Leandro Gomes de Barros publicado em 1907.
O texto aborda a cobrança abusiva dos impostos durante a República Velha - Fonte: Internet)


Na rica produção Cordelista nordestina há uma grande variedade de temas, que refletem a vivência popular, desde problemas atuais até a conservação de histórias da atmosfera ibérica). "Ocorre ainda a presença da jocosidade, em textos abertamente humorísticos ou em textos irônicos, ou ainda na exploração de boatos (que o autor popular logo capta e utiliza para sua criatividade). Alguns títulos ajudam a compreensão desse grande número de folhetos, cá e lá: Piadas de Bocage, de António Teodoro dos Santos; O grande debate de Camões com um sábio, de Arlindo Pinto de Souza; As perguntas do rei e as respostas de Camões, de Severino Gonçalves de Oliveira; Disparates em verso, de Armando Barata e Artur do Intendente; A padeira de Aljubarrota, de J. A. d’Oliveira Mascarenhas (estes dois de Portugal). Mas a lista seria interminável: O homem que casou com a jumenta, de Olegário Fernandes da Silva; A mulher que engoliu um par de tamancos com ciúme do marido, de José Costa Leite; História do macaco que quis se virar gente, de Minelvino Francisco Silva; O rapaz que casou com uma porca no estado de Alagoas, de José Soares; O rapaz que virou burro em Minas Gerais, de Rodolfo Coelho Cavalcante; História da razão dos cachorros cherarem o feofó uns dos outros, de Abraão Batista; e também História de um galego que trocou a mulher por uma vaca (sem assinatura, editado em Lisboa)." (4)


("Uma noite de Lua de Mel" e "O Periquito de Chiquinha e a Rolinha de Jacinto", 
obras Cordelistas do poeta José Costa Leite - xilogravura do autor - Fonte: Internet)


Um bom exemplo do sincretismo cultural presente na essência da Literatura de Cordel brasileira é a música "Pavão Mysteriozo", do cantor e compositor cearense Ednardo, que tem como referência a obra Cordelista "O Romance do Pavão Misterioso", escrita ao final dos anos 1920 por José Camelo de Melo Rezende. Esta obra, por sua vez, teve como influência o conto popular do Oriente Médio "Mil e Uma Noites". A música "Pavão Mysteriozo" (vídeo abaixo) foi trilha sonora da novela "Saramandaia", de Dias Gomes, veiculada pela Rede Globo em 1976. Segundo a revista "Discutindo Literatura" (edição 19, Editora Escala Educacional, 2008), "a editora de cordéis Luzeiro, de São Paulo, que publica O Pavão Misterioso desde 1970, vendeu mais de 50 mil exemplares dessa obra, no ano em que Saramandaia foi ao ar."




Mais de uma década após o sucesso de "Saramandaia", em 7 de Setembro de 1988 foi fundada a ABLC (Academia Brasileira de Literatura de Cordel), no Rio de Janeiro. O objetivo era reunir os expoentes deste gênero no Brasil. Hoje, a sede da ABLC, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro, já conta com mais de 13 mil títulos. (O poeta Gonçalo Ferreira da Silva, seu atual presidente, capitaneou a fundação no Rio que, com apoio da Federação das Academias de Letras no Brasil, culminou com a aquisição de sede própria). Dentre os xilógrafos brasileiros pode-se destacar J. Borges, Gilvan Samico, José Lourenço, Abraão Batista e José Costa Leite.



("Mudança de Sertanejo", xilogravura de J. Borges - clique para ampliar)

("Versos que enfeitiçaram o gringo", extraída do Caderno C do Jornal do Commercio
e publicada em 26 de abril de 2011, em Pernambuco - PE - Clique aqui para ampliar)


Em "História do Brasil em Cordel", publicado pela Edusp em 1998, Mark Curran reuniu mais de 300 folhetos que narram em Cordel a história de nosso país. Eles são acompanhados de uma reflexão sobre a temática, sua estrutura formal, seus autores e sua história concebendo a Literatura de Cordel do Brasil como o reflexo dos anseios e sonhos de nosso povo. Em 2010, Curran lançou um novo livro, "Retrato do Brasil em Cordel", publicado pela Editora Ateliê. Nesta obra Curran reconta a "estória" do cordel, "e acredita que o cordel é realmente uma epopéia folclórica-popular do Brasil, o livro consta de dez capítulos ou álbuns (...) Em resumo, é a continuação do namoro sentido sempre para o Brasil."


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Fontes:
(1) SARAIVA, António José. História da Cultura em Portugal. Gradiva, Lisboa, 2000.

(2) "Xilogravura" (www.wikipedia.org/Xilogravura)


(3) "Cordel" (www.educacao.uol.com.br/folclore/)

(4) "Literatura de Cordel" (www.bahai.org.br/cordel/viva.html)

Doc - Alquimistas do Som

O doc "Alquimistas do Som" é um documentário que traça um panorama das experimentações na Música Popular Brasileira. Dirigido por Renato Levi em 2003, "Alquimistas do Som" conta com depoimentos exclusivos de artistas brasileiros (Tom Zé, Lenine, Arnaldo Antunes, Egberto Gismonti, Arrigo Barnabé, e de letristas como Carlos Rennó e do maestro Julio Medaglia), e suas incursões no experimentalismo musical (suas origens e motivações) construindo a linha evolutiva da MPB. Os depoimentos são ilustrados com musicais do produtor Fernando Faro (criador do programa Ensaio, da TV Cultura), além de outras imagens do arquivo da emissora. 



"Nós todos (compositores aqui de São Paulo e do Brasil) somos mulheres com peitos enormes para a periferia mamar. Somos alimento! Esse alimento chamado 'informação', sem o qual o povo tem a morte mais desgraçada. Antes a morte da fome da comida do que a morte da falta de informação." (Tom Zé)